segunda-feira, 26 de maio de 2008

Uma torcida para além das arquibancadas

História militante do primeiro presidente da Gaviões da Fiel resgata papel social e político da agremiação

Áurea Lopes
de São Paulo (SP)

Jornal Brasil de Fato

Um dos efeitos colaterais da ditadura militar foi que, sob o manto de chumbo do regime de exceção, pequenos fascistas se sentiram à vontade para impor suas ditaduras particulares. Por exemplo: enquanto o general Arthur da Costa e Silva (des)mandava, em Brasília, a corrupção e o autoritarismo de Vadih Helu corriam soltos pelo gramado do Parque São Jorge, sede do Sport Club Corinthians Paulista.

No entanto, nas arquibancadas, assim como acontecia nas ruas, um grupo de jovens uniu forças e articulou a resistência. Para mostrar sua garra, elegeram a maior ave de rapina do mundo. E assim foi fundado, no dia 1º de julho de 1969, o Grêmio Gaviões da Fiel Torcida, a primeira (e mais numerosa) torcida organizada do Brasil, hoje com cerca de 75 mil associados - o equivalente à população da cidade de Arujá (SP).

Nesta semana, celebram-se os 20 anos da morte de uma liderança desse grupo: Flávio La Selva, sócio número 1 e primeiro presidente da Gaviões (veja texto abaixo). A breve – porém, intensa – vida desse professor e advogado, falecido aos 40 anos, não apenas determinou as origens da Fiel, mas deixou um legado social e político para a agremiação.

Apontando a quadra denominada Flávio La Selva, onde, além de outras atividades, todos os sábados a comunidade desfruta de uma feijoada com samba, o atual presidente da Gaviões, Herbert César Ferreira, afirma: “Aqui, a gente agrega as pessoas. O empresário e o faxineiro estão lado a lado, numa vivência comunitária, onde todo corinthiano é igual. Aqui não tem diferença de classe, não tem quem ganha mais, quem ganha menos. Esse era o modo de pensar do Flávio, que permanece até hoje”.

Quem conhece a origem humanista e militante daquele fundador e as ações sociais que a Gaviões promove fica intrigado com a violência que marca as torcidas de clubes de futebol. “É exatamente para transformar essa realidade que estamos investindo em cultura, em educação, não apenas para os associados, mas para toda a comunidade”, relata Denis Nogueira, diretor social da Gaviões.

Oficinas e bolsas

Bancadas com recursos próprios ou em parceria com o governo paulista, são oferecidas diversas oficinas gratuitas, a associados ou não da Gaviões. Na sede e nas sub-sedes (Guarulhos, Piracicaba, São José dos Campos e Sorocaba) acontecem aulas de xadrez, percussão, cavaquinho, dança, capoeira, grafitagem, muay thai, jiu jitsu, judô. “Nossos melhores alunos são selecionados para integrar a ala musical da escola”, conta o professor Fabinho do Cavaco, autor do samba enredo de 2008.

Na área de educação, a Gaviões tem convênio com escolas e faculdades da cidade de São Paulo. Os associados têm bolsas de estudos de até 60%, em cursos que vão desde a educação infantil até a pós-graduação. “Começamos este ano e já são mais de 80 sócios estudando por meio desses convênios”, comemora Nogueira.

Atuação política

Desde sua formação, com forte influência na constituição da Democracia Corinthiana, a Gaviões marca presença em diversas frentes políticas externas ao clube. Entre os momentos memoráveis, em 1979, em jogo contra o Santos no Morumbi, a torcida abriu uma faixa com os dizeres “Anistia ampla, geral e irrestrita”. Em 1984, deflagrou as bandeiras nas ruas, pelas Diretas Já.

Hoje, a Gaviões apóia e atua em causas populares, como a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Tirando proveito da visibilidade nos estádios, a agremiação já organizou a torcida para usar os bonés do MST durante partidas de futebol. E também acolheu em sua quadra famílias despejadas de um acampamento.

A mais recente luta é junto ao Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), ao lado de expoentes da organização popular e social do país como a CNBB e a OAB. O movimento propõe um projeto de lei de iniciativa popular, tratando da inelegibilidade de pessoas que tenham sido condenadas pela Justiça, em primeira instância, ou que tenham renunciado a seus mandatos para não serem cassadas pelo poder legislativo.

Um comentário:

Mônikita disse...

Orgulho das nossas origens e dever de mante-las vivas....

É NÓIS.